A personalidade de Costa Gomes tem vindo a ser redescoberta. Mesmo historiograficamente falando, década após década, têm-lhe atribuído cada vez mais importância neste processo. Alguns capitães diziam-no no seu livro, em 1990, mas atualmente há mais consenso sobre essa figura, concorda?
Costa Gomes é uma figura histórica extraordinária. E se houve alguma figura que podemos dizer que ajudou Portugal a tornar-se democrático, fora da sociedade política como Mário Soares e à exceção talvez de Vítor Alves e Melo Antunes, que apresentaram uma visão para o futuro, foi Costa Gomes.
Não apresentou essa visão, mas forneceu liderança. Ele era bondoso. Os capitães disseram-me, sem exceção, que adoravam e respeitavam Costa Gomes como seu líder, mas também era o que se quisesse que ele fosse quando estava convosco. Ele transformava-se no que você quisesse que ele fosse.
Ele refletiria as suas esperanças, os seus sonhos e as suas aspirações. E sairia a sentir-se bem. E depois ele poderia ainda fazer algo mais que não esperávamos. Era alguém gentil e com quem era fácil conversar.
Mas ele tinha uma visão, de uma sociedade pacífica e democrática na qual o povo votaria. E estava a tentar gerir uma situação muito complicada. Tinha grande experiência como comandante militar no campo de batalha. Sabia lidar com o stress, com conflitos, com o caos, com a derrota. E assim, ao chegar a Portugal e enfrentar os mesmos desafios que tinha enfrentado em África, conseguiu trazer consigo este conjunto de competências.
Mencionei a patente militar como um princípio organizador até 11 de março com Spínola. Ao longo de todo o processo, Costa Gomes continuou a utilizar este princípio organizador, mas acrescentando empatia, escuta e coragem.
E porque é que não foi a primeira escolha após o golpe?
Ele não queria, disse-me. Pediram-lhe para ser o chefe, mas ele não quis. E Spínola foi o escolhido. Ele não estava preparado.
Foi uma decisão pragmática ou demasiado emotiva?
Tudo isso. Foi um momento de grande tensão. Não era uma pessoa presunçosa. Não sei porque tomou esta decisão. Encontrei-me com Costa Gomes em frente ao seu apartamento. O seu motorista tinha acabado de o trazer do supermercado. Depois pediu-me para ajudá-lo a levar as compras para o seu apartamento. E eu ajudei. E sentámo-nos na cozinha dele. E tratou-me como se eu fosse o seu próprio filho. Ficámos sentados à mesa a conversar sobre a revolução durante duas ou três horas. E pude ter uma ideia sobre o que todos os outros capitães me disseram. Era uma pessoa muito acessível.
É uma figura histórica importante que desempenhou um papel fundamental em salvar Portugal do desastre e em impulsioná-lo para o que é hoje. E tratou-me com bondade, amor e respeito, tanto em relação à minha origem portuguesa, como simplesmente como ser humano.
A sua personalidade tornou-se mais relevante com o passar do tempo?
Absolutamente. Mais uma vez, não era alguém que chamasse a atenção sobre si ou que se autopromovia. E isto leva-nos de volta à sua pergunta sobre a noite de 25 de Abril de 1974. Ele não faria isso. Ele sentou-se sozinho, estava ali para servir.
Posso acrescentar que descobri algo sobre Costa Gomes, que considero uma história extraordinária. Descobri, conversando com alguns dos outros capitães, incluindo Sanches Osório, que ele tinha uma fé católica particular, devota e profunda.
Era um homem de fortes convicções religiosas. E não era algo que ele fizesse para evangelizar ou falar sobre o assunto, mas sim o seu princípio orientador. Descobri através das minhas entrevistas que havia um padre jesuíta do Porto que o visitava no palácio presidencial durante o verão, assim que ele assumiu a presidência. E celebravam missas privadas, inclusive no dia 25 de novembro. O seu nome era Padre João Abranches.
Ele contou-me a história. E eu perguntei-lhe: " Porque é que era tão importante para si?”. Ele respondeu: “Escolho demonstrar o meu amor ao próximo através das minhas ações”.
E mesmo no dia 25 de novembro, quando celebraram uma missa privada no meio do caos, isso trouxe-lhe paz interior. Talvez isso revele um aspeto da sua personalidade que desconhecíamos.
https://rr.pt/especial/politica/2025/11/25/a-amizade-salvou-o-pais-a-25-de-novembro/449239/
No comments:
Post a Comment
Only as an exception, comments will be published. Os comentários só serão publicados a título excepcional.